Assim que nos encontramos com Garrett McNamara na Praia do Norte, na Nazaré, com o Forte de São Miguel Arcanjo como pano de fundo – o lugar que recebe multidões para ver, de cima, as maiores ondas do mundo –, entramos num marear de sorrisos soltos e de instantes de rispidez suave. Um ambiente que alternou com facilidade entre a descontração e o despertar. Tinha acabado de sair da água, depois de uma sessão que não assusta um dos surfistas com maior repertório naquelas ondas. Sentou-se tranquilamente e olhou o mar. Não guardou por muito tempo o que tinha para dizer. “Temos de respeitar a água. Ou deixaremos de existir.” A força com que o disse congelou o momento.
Não é que não soubéssemos o impacto que o ser humano pode ter no planeta. Já o ouvimos de várias formas. Mas nem sempre o sentimos com a mesma força de agora, quando é dito por pessoas que todos os dias sentem e veem este impacto na sua vida, como Garrett McNamara, que vive em contacto permanente com a água, e como todas as pessoas com quem falámos nestes dias de filmagens entre a Nazaré e o Tejo, em Lisboa.
“O nosso planeta é composto maioritariamente por água, assim como nós mesmos. Respeitar o oceano, respeitar a Mãe Natureza, é respeitarmo-nos a nós mesmos. É o nosso dever. E é uma decisão nossa respeitar o oceano”, lembrou o surfista. Afinal, não só mais de 70% da superfície do planeta é coberta por água – da qual o oceano representa 97% do espaço físico habitável no planeta e é parte central para sustentar a vida que nele habita –, como o próprio corpo do ser humano é composto maioritariamente por água – em média 58%. Se somos feitos de água, se o planeta é maioritariamente água, não devemos respeitá-la?
Não se trata de saber se a Mãe Natureza estará aqui ou não. Trata-se de se nós estaremos.
“Vivemos do oceano, que não é infinito. E aquilo que nós estamos a degradar do nosso meio ambiente… Se continuarmos com esta velocidade, não vamos ter o oceano como o conhecemos e [o oceano] não nos vai dar aquilo que nos dá hoje, seja em termos de recursos, seja em termos de lazer, seja em termos de quota de nível zero de água, seja no que quer que seja que se possa pensar”, frisou Lino Bogalho, responsável pelo Mercedes-Benz Surfing Lounge, na Nazaré, que nos recebeu numa manhã gelada, de calções e chinelo no pé, com um sorriso que desaparecia tenuemente sempre que falávamos das consequências da ação humana no ambiente que considera “o escritório”.
Sai todos os dias para o mar, às vezes três, quatro vezes, por dia. Nos passeios de barco, abeira-se do famoso canhão da Nazaré. Pelo caminho, deixa um cumprimento terno aos muitos surfistas que, hoje (e sobretudo na época das ondas grandes), ocupam a vila. “A nova vaga dos utilizadores do oceano na Nazaré, que são os surfistas, representa garantidamente um elo magnífico para passar a comunicação do que é a proteção dos oceanos e a proteção do ecossistema que nos envolve. São pessoas que estão extremamente sensibilizadas para essas temáticas. Porquê? Porque são pessoas que estão habituadas a viver do mar e para o mar e que vêm com esse know-how e com essa práxis de proteger. É muito fácil vê-los a tentarem organizar limpezas de porto, a tentarem organizar mergulhos para limpezas de fundo.
“São pessoas que correm o mundo inteiro e que, quando não têm ondas, têm de também ativar aquilo que são os conhecimentos deles e passar de legado às localidades onde vão e aqui não é exceção. Fazem-no também com essa experiência que têm”, reforçou.
O Mercedes-Benz Surfing Lounge é hoje um ponto desse legado. É atualmente incontornável. Em tudo quanto é ondas grandes e o que é surf na Nazaré, e essa ligação entre as comunidades. É um ponto, é uma âncora
“As empresas são feitas de pessoas. Há empresas que têm uma relação direta com estes temas porque são temas que são caros à sociedade hoje em dia e, portanto, as empresas têm de cumprir com estas orientações que começam a aparecer. Há outras empresas em que as pessoas que estão à frente delas têm reais preocupações com o meio ambiente, com a preservação do meio ambiente, com a educação ambiental, com a responsabilidade social. No caso da ligação que nós temos com a Mercedes-Benz, e não é por serem nossos sponsors, há uma preocupação genuína”, explicou Bernardo Queiroz, o Lino do Tejo, responsável pelo Mercedes-Benz Oceanic Lounge, em Lisboa, sobre o papel que as empresas podem ter na mensagem a passar, cada vez mais urgente.
Bernardo também sai todos os dias para o mar, desta feita para o canhão de Lisboa. Com Lino partilha muitas coisas, sobretudo os princípios, mas menos a resistência ao frio. Antes de nos metermos no barco, reforça o quanto vamos dar falta dos agasalhos na saída do Tejo para o oceano Atlântico e, por isso, é sempre melhor trajar quanto mais der.
“Uma pessoa que vem aqui na ideia de ver golfinhos para fazer umas fotografias, para publicar no Instagram e no Facebook e por aí fora, chega aqui e explica-se que o que vamos fazer não é ver golfinhos como se vê num delfinário. Isto é uma aventura, é uma procura em conjunto. E não estás à espera de, a 20 minutos daqui – às vezes dois minutos daqui, porque estão aqui em frente à ponte 25 de Abril –, encontrares um grupo de 30 golfinhos aos saltos com crias ou veres, como vimos muitas vezes este ano, baleias a virem à superfície ao lado do barco. Baleia-comum, que é o segundo maior animal do planeta, a vir respirar ao teu lado. Tu sentes-te pequenino. E depois é fácil, quando chegas a terra, dizeres: ‘Viram o que viram hoje? Querem preservar ou querem deixar que isto seja uma realidade para os vossos filhos? Que os vossos filhos já não consigam ver isto? Então, se querem preservar, têm de manter.’”
Se implementarem estas mudanças na vida deles, depois é fácil estarem abertos a outras maiores. As primeiras, as mais simples.
Há conselhos simples que os biólogos transmitem a quem passa pelo lounge. “Nada de extraordinário”, sublinha. “Quando vais às compras, não trazeres o saco plástico do supermercado, levares o teu próprio saco todos os dias. [Ter consciência] no consumo de água, quando tomas banho, quando lavas os dentes. Quando deitas lixo para o caixote do lixo, como é que o deves separar? Como é que não deves separar? Quais são as escolhas que tu podes fazer?”
Esta motivação é passada também às empresas, nas ações de consciência ambiental que se realizam no Mercedes-Benz Oceanic Lounge, para que “façam escolhas inteligentes, escolhas que tenham em mente onde foi produzido, com que critérios foi produzido”. “Se a linha de fornecedores que tu estás a escolher para o teu produto, na tua empresa, não respeita o meio ambiente, ou seja, se estiveres a comprar a tua matéria-prima a um fornecedor que tem métodos de extração daquela matéria-prima que não respeitem o ambiente, estás indiretamente a contribuir para uma fonte poluente do planeta”, ressalta. Mas “se comprares a um fornecedor que já impõe cuidados na estrutura de criar mais-valia no produto de sustentabilidade e de não poluição do meio ambiente, ao escolher esse produtor, estás indiretamente a favorecer a proteção do planeta. Porque estás a escolher uma cadeia de suporte da tua empresa que está toda alinhada com os mesmos valores que tu tens, com os mesmos princípios que tu queres para a tua empresa e para o teu produto”, lembra.
“Sabemos quais são as coisas certas a fazer. Conhecemos as escolhas certas. Temos de fazer escolhas conscientes. Partilhar essas escolhas conscientes com os nossos filhos e fazer boas escolhas para o oceano e para nós mesmos”, reforçou Garrett McNamara no desenrolar das várias conversas que se foram seguindo, num dia em que nos sentamos à mesa com almoço vegan, sabendo de antemão que esta é uma prioridade para o surfista que já foi detentor da maior onda surfada do mundo. Estávamos na sala principal do lounge, no Porto da Nazaré, que além de ser decorado com materiais reciclados é alimentado por energia de baterias de veículos recicladas.
“O lounge da Mercedes-Benz é o real deal”, declarou o surfista, numa expressão que a traduzir para português, dentro da uma tradução possível, seria “o que há de melhor”. “Quando se tem uma empresa como a Mercedes-Benz a dar um passo à frente, a construir um edifício totalmente sustentável, em que podemos destacar diferentes projetos, diferentes indivíduos, diferentes personalidades... Existem tantos grupos e indivíduos com projetos incríveis. E este é um lugar onde podem partilhar os seus projetos.”
O Mercedes-Benz Surfing Lounge é um sonho tornado realidade, permitindo que as pessoas o visitem e partilhem as suas ideias
Um desses projetos é o de João Macedo, surfista de ondas grandes e cofundador da Hope Zones Foundation, que partilha a vida entre Sintra, com as aulas da Surf Academia, as viagens pelo mundo, e o lugar cativo na Nazaré, onde partilha a paixão que o liga ao mar. “Uma das questões que o Mercedes-Benz Surfing Lounge fornece aos atletas que estão no Mundial é esta possibilidade de se fazer eventos – no meu caso, para angariar fundos para a Hope Zones Foundation, por exemplo –, poder usar aquela base como sendo uma base, digamos, na qual podemos fazer palestras, em que podemos realmente partilhar aquilo que é surfar as ondas gigantes, mas ter este elemento muito especial que é as pessoas depois vestem o fato e vão para dentro da água”, partilhou quando fomos ao seu encontro na Praia Grande, onde estava a dar aulas, aproveitando que as ondas na Nazaré davam “tréguas”.
“Mesmo as pessoas que não são surfistas profissionais ficam imersas no mar. E esse clique, essa forma de experienciar, que o Bernardo faz muito isso em Lisboa também, no Mercedes-Benz Oceanic Lounge, é exatamente esse ponto.” Nas conversas que fomos tendo com João, o surfista português não se cansou de reforçar que experienciar o mar é uma das formas mais importantes para criar uma ligação que leve depois à proteção.
Experienciar o mar é meio caminho andado para que a pessoa depois se sinta, de alguma maneira, com vontade de proteger
“Nós em Portugal temos uma oportunidade única. É um líder em termos deste acesso quase imediato [ao mar]. E isso é uma coisa muito especial e tem de se acarinhar e fazer ações para conservar este nosso recurso incrível.” Portugal é 97% mar, o que numa comparação algo absurda posiciona o país ao mesmo nível de uma alforreca no que toca à composição. Um país “pequeno”, um mar enorme.
João Lourenço, capitão do Porto da Nazaré, lembrou isso mesmo. “O mar é um dos maiores, se não o maior, ativos económicos que Portugal tem. A sua zona económica exclusiva tem uma dimensão de cerca de 17 vezes o território nacional. É urgente protegê-lo, garantindo a sua sustentabilidade para as gerações futuras. A liberdade de navegação e o direito de acesso ao mar têm de ser garantidos.” No entanto, lado a lado com a proteção e sustentabilidade, uma “balança, por vezes, difícil de equilibrar”, partilha.
Portugal detém 48% da totalidade das águas marinhas sob jurisdição dos Estados-membros da União Europeia. É o 4º país no ranking europeu das maiores zonas económicas exclusivas – fica atrás de França, Reino Unido e Dinamarca –, totalizando uma extensão de 1.727.408 km2. É 21º a nível mundial. Tem mais de 600 praias, 2.500 quilómetros de costa, dezenas de rios. Se ainda assim lhe parece “pouco”, Portugal levou às Nações Unidas, em 2009, um mapa – Portugal é mar – que propõe uma área de novos domínios marítimos portugueses, que revelam um país com um território debaixo de água com cerca de 4 milhões de km2 e uma dimensão marítima 40 vezes superior à dimensão terrestre. A proposta ainda está em análise, mas já permite a Portugal exercer direitos exclusivos de soberania. O mar sem fim é português, dizia Fernando Pessoa [em Mensagem, III. Padrão].
“Eu também quero usufruir do espaço e tenho esse direito, de usufruir de uma praia, de usufruir de uma marina. Mas obviamente também tenho de respeitar o espaço em que estou e todos os outros à volta”, expôs Catarina Gonçalves, coordenadora do programa Bandeira Azul.
A conversa com Catarina Gonçalves aconteceu na Doca de Santo Amaro, zona rodeada de restaurantes e cafés e onde se situa o Mercedes-Benz Oceanic Lounge, e que integra a Marina de Lisboa, marina essa que (ficámos a saber) tem Bandeira Azul, galardão que recebe consecutivamente desde 2015, e que foi, aliás, distinguida com o prémio “Marina Mais Azul 2023” no final do ano que passou.
“Eu tenho de saber como me posicionar perante esta marina. Eu sei que esta marina tem recolha seletiva. Eu sei que posso reciclar. Eu sei que a praia tem acessibilidades para pessoas com mobilidade condicionada ou portadoras de deficiência. Eu sei que posso ir àquela praia. Eu sei que as espécies de ave marinha nidificam na duna. Eu sei que não posso pisotear uma duna. É preciso não só conhecer os sítios onde estamos, mas também como fazer para não termos um impacto negativo nesse espaço”, explicou.
O problema? Catarina Gonçalves aponta o “nosso posicionamento e a nossa forma de estar no dia a dia”, que “tem impacto em todo o lado”. “Nós temos de abrandar a nossa rotina diária, a nossa pressa, a nossa correria. E este abrandar vai-nos permitir pensar, pensar se posso comprar aquele produto, como é que é embalado, que ingredientes é que leva, de onde é que vem e para onde vai a embalagem depois de usado. O que se vê nas nossas praias e no nosso oceano é exatamente isso. É a velocidade com que nós vivemos.”
É um programa de implementação nacional promovido por Organizações Não Governamentais. As entidades que promovem e gerem espaços como praias, docas, embarcações e que têm interesse em obter o galardão da Bandeira Azul candidatam-se voluntariamente e declaram que cumprem todos os critérios necessários para lhes ser atribuída uma bandeira azul. O programa Bandeira Azul vai verificar efetivamente se os critérios estão a ser cumpridos e atribuir ou não o galardão, que não é vitalício. Todos os anos, as entidades têm de apresentar candidatura e comprovar novamente que cumprem os critérios.
Somos criaturas da conveniência. Queremos as coisas rápidas, fáceis. E [queremos] mais.
“Há tantas coisas diferentes que se podem fazer hoje em dia para respeitar o oceano e respeitar a água que vai para o oceano, respeitar a terra que alimenta a água que vai para o oceano. Fazer escolhas conscientes, não deitar plástico no chão, porque acaba nos esgotos pluviais, nos rios, acaba no oceano. Pensar realmente no que estamos a fazer e nos efeitos das nossas ações”, defende Garrett McNamara, uma posição que não é estranha a Catarina Gonçalves: “Nós precisamos de repensar tudo aquilo que compramos, tudo aquilo que comemos, tudo aquilo que fazemos de uma forma geral.”
“Os pulmões estão a morrer rapidamente. Existem soluções, mas precisamos de mudanças drásticas”, alerta o surfista. “Partilhar o que eu sinto é importante [mas] com quem perguntar. Não gosto de impor nada. Apenas quero partilhar o que aprendi, acredito e sei. Existe tanto conhecimento e tanta informação e é difícil realmente saber [a verdade]. Mas há certas coisas que sabemos que são certas e coisas que sabemos que são erradas.
Com a tecnologia, com os computadores, com a inteligência artificial... as soluções estão todas lá. Mas as pessoas que estão in control [em posições de tomada de decisão] têm de fazer a mudança. E sem as pessoas in control a fazer a mudança, o futuro não parece bom. As soluções estão lá. Estão todas lá. É uma questão de as pessoas acordarem.”
“As grandes mudanças são feitas através das empresas, são feitas através de projetos como aqueles em que a Mercedes-Benz se envolveu, [marca que] quer e está comprometida e investe e faz mudanças. Claro que há sempre mais mudanças a fazer e o caminho nunca acaba, mas pelo menos há um compromisso em se fazer. É a grande diferença. É as empresas aceitarem este desafio e fazerem mudanças que realmente são difíceis de fazer. E isso inspira as pessoas, também elas, a fazerem as mudanças que têm de fazer em casa, as mudanças de comportamentos, de consumo, e tudo isso depois faz com que então possamos realmente sonhar em fazer mudanças mais duradouras no planeta”, explicou João Macedo.
“Hoje em dia, nas viagens que eu faço, vejo que não há sítio nenhum no mundo [sem impacto humano]. É raro o sítio no nosso planeta onde nós ainda consigamos ver o que é um ecossistema pristino, uma vida marinha em que existia toda a cadeia alimentar. Sabemos que temos impacto nos nossos oceanos, desde o Ártico até à Antártida”, contou Nuno Sá, cineasta subaquático português que já fez filmagens em todo o mundo para as grandes produções de documentários internacionais (incluindo aquela que é “a série mais icónica de todos os tempos sobre os oceanos, a Blue Planet”), acabado de regressar de uma viagem pelo Pacífico, onde esteve no primeiro atol com uma área marinha protegida na qual se protegeram os tubarões.
“Hoje em dia, retiramos cerca de 100 milhões de tubarões dos nossos oceanos todos os anos. Praticamente já não existem tubarões nos nossos oceanos. Sabemos que nas últimas décadas, 50% dos corais do nosso planeta desapareceram, cerca de 90% de todos os peixes de grande porte, como os atuns, espadins, espadarte e por aí fora, desapareceram dos nossos oceanos.
Sabemos o que é que temos de fazer e sabemos que o que estamos a fazer não é o suficiente
Há cerca de 20 ou 30 anos que a nossa comunidade científica nos diz que, para podermos parar esta perda de habitats nos oceanos, tínhamos de proteger cerca de um terço de todos os nossos oceanos à volta do nosso planeta. E isso permitiria que os peixes se reproduzissem. E que se fosse pescando de uma maneira mais sustentável e tudo mais. O que é certo é que nós, nos últimos 30 ou 40 anos, conseguimos proteger entre 5 e 8% dos nossos oceanos a nível global”, explicou. Não é suficiente.
“Só através do conhecimento é que vem o interesse em proteger uma coisa. Ninguém tem interesse em proteger uma coisa que desconhece por completo. E 99% dos portugueses desconhecem por completo [o que há debaixo de água em Portugal].”